Uma distopia totalmente possível no Brasil em que vivemos, talvez seja esse o segredo que o torna tão bom e sufocante!
Por Jurandi Vicari
De forma bem rápida, aos poucos vemos tudo acontecendo as claras, tudo aceito de uma forma inequívoca, todos os abusos que os negros começam a passar. Ao contrário de outras distopias, como "O Conto da Aia", por exemplo, em "Medida Provisória" não há resistência. De forma nua e crua, Lazaro Ramos, que estreia na direção de longas, expõe brilhantemente todo o racismo de nossa sociedade e todas as mazelas que vieram depois de quase 400 anos de escravidão, entregando uma obra que não foge a nossa realidade e o torna tão bom ao mesmo tempo que sufoca, que assusta.
Na vida real, após a abolição acreditava-se que os negros acabariam, por isso eles não eram incluídos na sociedade, lhes eram dificultado o trabalho, o estudo, enfim, como se não houvesse espaço para eles. Já no filme, baseado na obra teatral "Namíbia, Não!" do autor Aldri Anuniação, vemos a “solução” através de uma Medida Provisória, onde os Negros, denominados de Melanina Acentuada, serão devolvidos a África.
Tal absurdo foi engolido no roteiro do filme, podendo ser explorado de maneira mais ampla, mas acredito que ainda assim ele ecoa no pensamento de muitos em nossa sociedade doente, o que nos leva a criar empatia com os personagens logo de cara. Afinal, quantos absurdos nós mesmos ironizamos, rimos, e deixamos tomar espaço em nossa política, em nosso cotidiano? Isso nos faz refletir sobre sermos uma sociedade anestesiada, passiva e extremamente acomodada. Outro reflexo que vemos no conflito "realidade x ficção", foi que a Ancine demorou quase 1 ano e meio para lançar o filme que há muito estava pronto.
Todos os atores, sem nenhuma exceção estão impecáveis, mas só para citar alguns nomes conhecidos me salta aos olhos: Tia Má, Emicida, Rincon Sapiência, Flávio Bauraqui, Luis Miranda, Jessica Ellen, Indira Nascimento, Taís Araújo, Seu Jorge, e claro o protagonista, Alfred Enoch, que muitos conhecem de "Harry Potter".
O resultado final poderia ser apenas uma hora e quarenta minutos de pura militância, mas o longa transcende isso facilmente, entregando entretenimento inteligente e crítica social, sem ser chato ou enfadonho. Não percebi o tempo passar envolvido com o enredo e minhas próprias questões pessoais, e de que vivemos numa sociedade racista e que isso tem que ter um ponto final.
Depois de uma bem sucedida passagem pelas salas de cinema, "Medida Provisória" já está disponível com exclusividade no catálogo da GloboPlay.
Depois de uma bem sucedida passagem pelas salas de cinema, "Medida Provisória" já está disponível com exclusividade no catálogo da GloboPlay.