Apesar da época no Brasil ter sido diferente, "Anos 90" alcança a familiaridade com a profundidade dos personagens
Por Pedro Soler
A estreia de Jonah Hill como diretor e roteirista chega forte e com doses assustadoras de realidade, fazendo-nos se importar e acreditar nos humanos em tela. Logo no começo do longa somos apresentados a dinâmicas familiares universais. Embora a intensidade seja sempre diferente, o conflito entre irmãos, a idealização do mais velho pelo mais novo e a busca de uma criança por aprovação são familiares entre culturas similares como a do Brasil e a dos EUA.
Com grande carga nostálgica, o filme funciona mais como uma máquina do tempo para quem viveu naqueles locais e épocas, perdendo parte do encanto para aqueles estranhos às situações retratadas. É possível, claro, assumir uma postura curiosa perante o filme, mas também é passível de desinteressar alguns espectadores.
Vale a experiência, no entanto, pelos personagens e atores. Enquanto "Anos 90", já em cartaz nos cinemas brasileiros, pode (e irá em muitos locais pelo mundo) falhar na nostalgia, o longa compensa com atuações cativantes, personagens construídos com profundidade magnífica e a jornada tão característica aos seres humanos para se encontrar.
Sunny Suljic interpreta Stevie, um garoto entrando na adolescência que idolatra seu irmão, Ian (Lucas Hedges). Este, por sua vez, é abusivo e explora Stevie. Sem se sentir aceito, Stevie fica fascinado pela unidade e amizade de um grupo de skatistas e busca se aproximar.
Outro ponto positivo retratado por "Anos 90" são justamente esses skatistas que, com humildade e muito bom humor, acolhem Stevie e se mostram sempre abertos a todos. Nessa dinâmica, encontramos drogas, bebida e cigarro? Sim. Encontramos também aceitação acima de tudo, preocupação com os amigos e um grupo que certamente envelhecerá sem perder o contato.
Retornando aos atores, é impossível falar de somente um. Enquanto Suljic entrega uma ótima atuação e certamente merece destaque, todos os que compõe o núcleo do filme executam um trabalho tão crível que temos a sensação de acompanhar jovens de verdade em suas vidas.
Mas como nada é perfeito, "Anos 90" não é exceção. O filme demora um pouco a engrenar e acaba quase de forma abrupta. Um final amargo que se preocupa mais com a realidade do que com resoluções. Talvez, no entanto, esse amargor seja um dos charmes do filme.
Já para Hill, não poderia haver estreia melhor. É verdade que o projeto é pequeno e não deve atrair a atenção de muitos, mas deveria. Com roteiro bem construído, direção precisamente executada e um elenco carismático, "Anos 90" merece uma chance.