Mortal Kombat é alvo frequente de críticas, mas em seu jogo mais recente o que surpreende é o motivo
Por Ivan Paz
Por Ivan Paz
Desde seu surgimento em 1992, a série de jogos Mortal Kombat sempre foi marcada por duas coisas: sucesso e polêmicas. O final dos anos 80 e os anos 90 eram a era do Arcade, onde pessoas guardavam seu troco do almoço para poder comprar algumas fichas nos fliperamas, ou os flipers como alguns chamavam. Eram tempos em que jogadores ficavam "famosos" por registrar seus nomes nas melhores colocações do rank de cada jogo e, principalmente, por desafiar desconhecidos em troca de poder ficar mais tempo em uma máquina.
Exatamente por essa cultura estar no auge, os jogos de luta eram um grande sucesso. Street Fighters, King of Fighters, Tekken e Samurai Shodown eram alguns dos títulos que juntavam grupos de pessoas para assistir alguém chegando até o último inimigo ou ver desafios aleatórios. Por existir uma grande variedade de jogos de luta, cada um tinha que se destacar de alguma forma. Bom, Mortal Kombat era o jogo violento. Veja bem, existiam alguns jogos violentos, mas o MK era "O JOGO VIOLENTO". Cada golpe acertado fazia jorrar sangue na arena. Os especiais davam agonia só de ver e, caso você quisesse mostrar que era bom mesmo, após derrotar seu adversário, poderia aplicar os famosos Fatalities, que nada mais era do que finalizar seu oponente da forma mais sanguinolenta possível. Era um espetáculo de ação, sangue e gore.
Como você deve imaginar, essa festa da violência gerou polêmicas. Muitas pessoas julgaram que esse tipo de conteúdo era danoso e faria mal aos jogadores. É bom lembrar que ainda não existiam muitos estudos sobre os efeitos dos jogos nos jovens e, para piorar, a cultura do videogame era mais marginalizada do que nos dias de hoje. Mas, convenhamos, as críticas não eram em vão. O jogo era sim exageradamente violento e não era indicado para todo o público. Nos fliperamas não existia nenhuma forma de controle de quem iria jogar qual arcade, logo não era incomum ver crianças de 10 anos sendo banhadas pela chuva de sangue que o Mortal Kombat celebrava.
Cada nova geração dessa franquia tentava superar o seu antecessor com mortes mais engenhosas e mais horríveis, o que fazia com que os fãs ficassem ainda mais empolgados. Além disso, surgiam algumas polêmicas novas, como quando no Mortal Kombat 4 passaram a usar modelos 3D no lugar de imagens de atores. Alguns fãs mais conservadores achavam que o jogo tinha perdido sua identidade.
Porém, na sua décima primeira edição, surgiu uma polêmica diferente. Lançado em Abril de 2019, o MK11 gerou críticas de fãs por trazerem “mulheres feias”. Exatamente isso que você leu: jogadores de Mortal Kombat não gostaram da aparência das personagens femininas da edição de 2019. Quando ouvi isso logo pensei que a arte deveria estar estranha, mas, para minha surpresa (ou não), não era isso o que eles queriam dizer. Basta ver a comparação gráficas dos personagens do Mortal Kombat X e do MK11.
Na realidade a reclamação era que as personagens não estavam mais tão atraentes, no ponto de vista deles, quanto das versões anteriores. O que de fato aconteceu é que houve uma dessexualização. Ou seja, as roupas, traços e trejeitos não estavam mais focados em transformá-las em um objeto sexual. Em vez disso, dessa vez, estavam mais focadas em lutar. Oras, o jogo trata de um campeonato de luta mortal, não é mesmo? Pela primeira vez, as críticas à um jogo da série Mortal Kombat não estava ligado ao "puritanismo" preconceituoso de pessoas que não jogam. Não. Veio dos jogadores mais hardcore. Uma resistência em assumir que as mulheres no mundo dos jogos, sejam as personagens ou as jogadoras, não estão lá para agradar fetiches do público masculino. Estão lá para arrancar o braço de demônios de outra dimensão.
Sonya Blade em MK9, MKX e MK11
Os jogos, assim como todas as demais mídias, não servem para agradar gostos particulares de um grupo de pessoas, e sim terem a amplitude de permitir com que diferentes tipos de pessoas sintam-se representadas no jogo. Dificilmente nós iríamos nos sentir confortável em uma aventura onde o protagonista é algo totalmente estranho. E o inverso é ainda mais forte. O público acaba engajando mais facilmente em um jogo quando personagem que ele controla é mais facilmente conectável.
Ver essa reação do público faz com que percebamos o quão importante é estudar o público dos jogos digitais. A forma como a revitalização da franquia Tomb Raider foi elogiada mostra como era necessário repensar a construção da Lara Croft. Em contrapartida, a forma como surgiu uma resistência, por parte dos jogadores homens, quanto o novo design das personagens femininas é sinal de que esses jogadores não entendem uma das razões de existirem personagens femininos: porque existem jogadoras também.
Graficamente o MK11 está incrível. As animações estão bem feitas, a jogabilidade está fluída, e, aparentemente, o serviço online é muito superior ao seu antecessor. Logo, as críticas vem de um desconforto em ver menos modelos seminuas e mais lutadoras treinadas. Se antes as polêmicas surgiam de uma visão atrasada por parte das pessoas que não estão interessadas com o jogo, agora essa visão antiquada parte do seu público. Esse incômodo quanto a apresentação feminina no jogo muito provavelmente é o mesmo que fez com pessoas, em sua maioria homens, criticassem a "Capitã Marvel" antes de assistir o filme da Disney.
Ter variedade de personagens, além de aumentar a diversidade no combate, também é uma forma de permitir com que mais pessoas se identifiquem com os jogos. Se você não se identifica com a Sonya Blade por ela estar mais vestida, cara, escolhe o Johnny Cage, ele é saradão e está sempre sem camisa.